
terça-feira, 27 de março de 2018
UMA AULA: LEIA SUSTENTAÇÃO ORAL DO ADVOGADO JOSÉ ROBERTO BATOCHIO EM DEFESA DE LULA NO STF
A tese de defesa do advogado do
ex-presidente Lula, José Roberto Batochio, apresentada na última quinta-feira
(22/3), no Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento do HC preventivo
contra a prisão antecipada do político, chamou atenção. Na fala, Batochio
criticou a onda de punitivismo e autoritarismo a que o Brasil se submeteu. Segundo
análise do Conjur, os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli chamaram a
sustentação de histórica.
Veja a transcrição da sustentação
oral de Batochio:
"Senhores ministros, os
jornais de ontem de todo o planeta publicaram a prisão do ex-presidente Nicolas
Sarkozy, da França. Esta prisão teria ocorrido para que os agentes do Estado,
encarregados da investigação criminal, pudessem ouvir aquele que foi por duas
vezes presidente da República — que no passado foi modelar, e, através do
iluminismo, exportou liberdade e democracia para o mundo — para que ele pudesse
ser ouvido em um inquérito, numa indagação que versava sobre recursos de
contribuição de campanha.
Dei-me, então, conta de que esta
maré montante de autoritarismo que se hospeda em determinado setores da
burocracia estável do Estado não é um fenômeno que ocorre apenas em território
brasileiro. Preocupantemente, isto está sucedendo em todo o planeta.
Na França não se pode conhecer o
conteúdo das investigações nem o investigado e nem os seus representantes. Na
Itália, o processo penal está sofrendo um recrudescimento como nunca antes
visto. Isto me preocupa porque a continuarem as coisas como vão, eu não sei
qual é o futuro que nos aguarda. Se ele for assim, confesso aos senhores, que
eu não tenho nenhum interesse em conhecê-lo porque, como disse José Bonifácio,
a liberdade e os princípios libertários são uma coisa que não se perde se não
com a vida. É impossível viver fora de um sistema que não seja um sistema de liberdades.
Inspirado por este acontecimento
de ontem, decidi começar essa peroração trazendo a vossa excelência as palavras
ditas por Chrétien Guillaume de Lamoignon de Malesherbes, que foi um grande
jurista francês e advogado de Luís XVI no julgamento que o conduziu à bastilha
e à guilhotina. Tinha sido ministro do rei e foi o seu advogado, sabia que ia
ter de enfrentar a opinião pública e os jacobinos sedentos de sangue e punição
a qualquer preço. Ele começou a defesa de Luís XVI, perante a corte francesa,
dizendo o seguinte: “Trago à convenção a verdade e a minha cabeça. Poderão
dispor da segunda, mas só depois de ouvir a primeira” [o ministro citou a fala
originalmente em francês]. Eu aqui trago a vossa excelência também duas coisas.
São dois preceitos do nosso ordenamento jurídico democrático.
Um é o artigo 5º inciso 57 da
carta política e o outro é o artigo 283 do nosso Código de Processo Penal. Eles
estão sob ameaça de mortificação e extinção.Trago também, como segunda coisa, a
verdade que preciso dizer sem peias, sem freios, sem receios, e vossas
excelências poderão, depois de ouvir, matar ou não esses preceitos democráticos
que aqui estou a defender na tarde de hoje.
Qual é a origem deste preceito
constitucional que instituiu entre nós a presunção da não culpabilidade ou a
presunção da inocência? Em uma conversa com o eminente ministro Sepúlvela
Pertence, ainda na noite passada, nos lembramos de que esse princípio
constitucional que nós conseguimos introduzir na nossa lei máxima tem origem na
legislação eleitoral. Porque a ditadura militar, o autoritarismo que nós
vivemos em um passado não muito remoto, considerava fator impeditivo de
elegibilidade — de ser sujeito ativo eleitoralmente — aquele que tivesse contra
si uma denúncia recebida.
Vejam, vossas excelências, a
simetria. Quando, na Constituinte de 87, na Constituição de 88, nós escrevemos
o plexo de direitos que compõem o capítulo dos direitos e garantias individuais
e coletivos, nós procuramos positivar no texto nobre da mais alta hierarquia
legislativa do nosso país essas garantias para que nós pudéssemos ter um
instrumental necessário para repelir as investidas do autoritarismo, vestisse
ele verde-oliva ou envergasse a cor negra da asa da graúna.
De onde vier será repelido,
porque nós brasileiros não aceitamos viver sob o tacão autoritário de quem quer
que seja. E, por essa razão, é que nós escrevemos a carta política que antes do
trânsito em julgado nenhum cidadão pode ser considerado culpado. Isto significa
que aconteceram grandes discussões a respeito sobre se isso eliminaria as
prisões, as custódias cautelares, as custódias temporárias e etc. Mas, não. Não
há incompatibilidade.
Há incompatibilidade em
pretender-se dar início à execução de uma pena encontrada numa sentença que não
se tornou imutável. Esta é a discussão que aqui se faz. Não só pela dicção do
artigo 5º, parágrafo 57, da Constituição, mas também pelo artigo 383 do nosso
Código de Processo Penal que espelhadamente reflete esse dispositivo
constitucional.
E o que é que nós temos nesta
impetração de hoje, em que há uma certa volúpia em encarcerar um ex-presidente
da República? Não que o presidente da República seja um cidadão diferente de
qualquer outro, não é, ele não está acima da lei. Ninguém pode estar acima da
lei, mas ninguém pode ser subtraído à sua proteção. Ninguém pode ser retirado
da proteção do ordenamento jurídico.
E o que é que nós temos aqui? Nós
temos aqui uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que confirmou
decisão condenatória proferida em 1ºgrau e que dispôs expressamente o seguinte:
de acordo com a Súmula 122 desta corte regional, esgotada a jurisdição em série
de revisão neste tribunal regional, expeça-se ordem de prisão e oficie-se o
juiz com base nesta Súmula 122.
E o que diz essa súmula? Ela não
diz o que se encontrou aqui nesta Suprema Corte, que em determinado casos,
antes do trânsito em julgado há possibilidade do início da execução da pena.
Não! Essa Súmula 122 é inconstitucional, senhores ministros, porque ela diz que
é obrigatório o início da execução da pena. Coisa que contraria frontalmente a
Constituição e o artigo 383 do CPP, e que contraria a decisão tomada aqui nessa
casa que apenas acenou com a possibilidade.
Vossas excelências, proponho eu
que deveriam declarar inconstitucional essa súmula. Não só pelo que ela
contraria da Constituição, no sentido de dar início à execução da pena, mas
porque ela transforma esse início da execução em obrigatório, contra a letra da
constituição.
Quando eu vejo, senhores
ministros, os tribunais — e peço vênia para dizer isso com o mais elevado
respeito — entrarem a legislar, eu sinto uma frustração enorme. Eu sinto a
sensação de eu perdi anos na Câmara dos Deputados quando fui parlamentar, a
trabalhar em uma coisa inútil, porque as leis que nós elaboramos lá são
substituídas por exegeses que as mortificam e que, às vezes, têm o desplante de
contrariá-las, substituindo-as por mirabolâncias exegéticas que fazem revirar
no túmulo o senhor Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu,
tal o grau do grau da sem cerimônia com que se invadem atribuições dos outros
poderes para atender a não sei que inclinações. A voz das ruas? Mas a voz das
ruas pertencem às ruas. Quem tem que manter a mão no pulso da sociedade das
ruas não é o poder judiciário, é o parlamento. São os políticos que têm que
captar os anseios e os batimentos da população e da turba, por que não dizer, e
interpretá-los e transformá-los em normas.
Não é dado ao poder judiciário —
e digo isso como brasileiro — nem daqui e nem de nenhum lugar do mundo, entrar
a legislar para atender a este ou aquele pragmatismo, a esta ou aquela
conveniência social de ocasião.
Senhores, eu pergunto como seria
possível nós denegarmos esta ordem de habeas corpus. Está caracterizado o constrangimento
ilegal em potência iminente. Tem dada marcada. A prisão está marcada para o dia
26 de março. Foi a data em que se marcou o julgamento dos embargos de
declaração e já está decidido: julgados os embargos de declaração, esgotou-se a
jurisdição, mandado de prisão nos termos da súmula 122.
Agora, eu pergunto a vossas
excelências, se nós temos na casa duas ações diretas de constitucionalidade, de
que é relator o eminente ministro Marco Aurélio, e se este Plenário declarar a
constitucionalidade do artigo 383 do CPP, como é que nós vamos justificar a
prisão de um ex-presidente da República por um esquito, uma vacilação? Por que
esse açodamento em prender? por que esta volúpia em encarcerar? O que justifica
isso se não a maré montante da violência da autoridade, se não a maré montante
da volúpia do encarceramento?
Três anos atrás, em um evento da
Ordem dos Advogados do Brasil, nós já tínhamos dito isso: se o judiciário não
entender pela ciência, pela razão, pela racionalidade, que o encarceramento em
massa é uma política desastrosa, vai ter que engolir essa realidade pela
necessidade econômica que a
superpopulação carcerária acarreta. Nós não podemos querer resolver todos os
problemas.
Agradeço e peço que seja
concedida a ordem para o efeito de se determinar que se aguarde pelo menos o
julgamento das duas ações direta de constitucionalidade, se não for aguardar o
trânsito em julgado. Muito obrigado".
Fonte da transcrição: CONJUR
Video:

Pós-Doutorando pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ); Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (PGE-UEM); Pesquisador do Grupo de Estudos Urbanos (GEUR/UEM) e do Observatório das Metrópoles (UFRJ e UEM). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR); Consultor da UNESCO/MEC; Conselheiro no Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial (CMPGT) de Maringá (PR) e Delegado da Assembléia de Planejamento e Gestão Territorial 5 (APGT-5) de Maringá (PR).

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