sábado, 31 de maio de 2014
Reputação será moeda no mundo pós-financeiro, Por NELSON DE SÁ (FOLHA DE SÃO PAULO)
Joshua Klein, 39, se descreve como
"hacker" de tudo.
Mestre em tecnologia interativa pela
Universidade de Nova York, está lançando nos EUA "Reputation Economics"
(economia da reputação, em tradução livre; Palgrave Macmillan), em que
prenuncia a substituição das moedas por um comércio em plataformas com sistemas
de troca que passam longe das finanças.
Nesse mundo pós-financeiro, em que a
privacidade é comercializada, afirma o consultor de firmas como Microsoft e
Oracle, a reputação atestada por pares ou por especialistas ganha, cada vez
mais, valor de dinheiro --cobiçada por aqueles que querem vender ou trocar
mercadorias, serviços ou interesses.
Folha - O sr. diz que a privacidade não
é mais um direito e que há formas de lucrar abrindo mão dela. Como vê as
revelações do ex-técnico de segurança do governo americano Edward Snowden sobre
vigilância governamental?
Joshua Klein - É interessante ver a
reação das pessoas ao volume de informações monitoradas. De muitas formas, o
que o governo faz é uma extensão do que tínhamos permitido às empresas fazer.
Se você usa Gmail, já deu ao Google o
direito de analisar todos os seus e-mails: com quem você fala, com que
frequência, sobre o quê, que palavras usa, quantos pronomes ou adjetivos
emprega, todos os documentos.
Todos os "serviços gratuitos"
fazem isso --o Facebook faz, o Twitter, a Amazon-- porque permite que vendam de
forma mais eficaz. O problema é que as pessoas não são realmente conscientes de
que fizeram esse acordo.
Há possibilidade de voltarmos ao tempo
em que as pessoas ainda tinham privacidade?
Estamos num momento de virada como
sociedade. Sabíamos que havia algo estranho nesse acordo: estávamos ganhando
quantidades imensas de tecnologia de graça --ou que pensávamos ser de graça--
em troca de nos dispormos a ver publicidade.
Mas esse não é o acordo de fato. O
acordo é que as pessoas nos dão essas coisas e, em retribuição, temos que
comprar outras. E essas empresas farão tudo para serem o mais eficazes possível
e nos venderem o que puderem.
Acredito que as pessoas começaram a
tomar consciência ao verem o governo fazê-lo, pois se ergueu o espectro do
Grande Irmão. Vender é algo com contornos bem definidos. O problema é que esses
dados podem ser usados para outras coisas.
Não há como mudar a forma de agir na
internet?
Se as pessoas admitirem que fizeram um
contrato faustiano e começarem a usar criptografia e forem mais cuidadosas com
os contratos de licença que assinam... Se gente o bastante fizer isso, as
empresas começarão a pensar: "Para termos acesso aos dados, temos que
fazer um acordo aberto, mais claro".
Se isso acontecer, então, sim, vamos
ver mudança. As empresas vão aceitar que os indivíduos tenham mais
responsabilidade e controle sobre suas coisas. Mas acho que o mais provável é
que uma minoria de pessoas faça isso --e elas terão acesso a menos serviços ou
terão de pagar mais caro por eles.
E veremos mais abusos dos dados
coletados.
Há uma frase de Andrew Lewis, no blog
comunitário MetaFilter, sobre a internet: "Se você não está pagando pelo
produto, você é o produto que está sendo vendido".
[Risos] Sim. O objetivo da grande
maioria dos serviços on-line hoje não é fornecer algo divertido ou interessante.
Isso é acessório. O objetivo real é vender de forma eficaz.
"Reputation Economics" também
reflete isso?
Um dos pontos do livro é que estamos
estabelecendo plataformas, hoje, que possibilitam sistemas de troca livre das
finanças. Por outro lado, as empresas grandes são cada vez mais eficientes em
ganhar nosso dinheiro.
Daí a precificação hiperdinâmica: você
entra on-line para comprar queijo, a empresa que vende o queijo reconhece que
você tem um blog sobre isso e dá um desconto de 30%, na esperança de que você
compre e depois diga algo bom do queijo.
Os indivíduos precisam agora escolher:
Querem só ficar com o que é dado? Ou querem ferramentas e tecnologias que
permitem que gerenciem seu valor? Creio que veremos mais da última, mas não
estou certo ocorrerá.
A edição registra que você fez
trabalhos para a comunidade de inteligência. O que foi?
Foi sobretudo pelo Escritório do
Diretor de Inteligência Nacional, que fez um programa tipo "think
tank" [centro de estudos] em que muitos colaboramos, num retiro de um mês.
Foi interessante por permitir contato com algumas das mentes mais brilhantes da
NSA [agência de segurança nacional], CIA [agência de inteligência dos EUA] e um
"insight" sobre as capacidades que têm ou tinham.
Desde então, todos ganhamos uma consciência
muito maior do que se trata [devido às revelações de Snowden].
O mais importante foi ver que aquilo
tinha enorme potencial, não totalmente conhecido. Em relação ao trabalho de
consultoria que presto para empresas, ficou claro que o mercado baseado em
"big data" se tornaria cada vez maior. A questão já era, então, qual
o efeito disso sobre o indivíduo.
O livro destaca que "quem você
conhece" vale mais, hoje, do que "o que você possui".
O que isso aponta é que, cada vez mais,
as plataformas on-line estão permitindo obter informações de reputação sobre as
pessoas. Se eu quiser descobrir se devo emprestar meu carro a você, posso dar
um Google e ver se você é digno de confiança.
Esse tipo de informação de reputação
levou ao surgimento de uma economia de reputação on-line, que está mudando como
os indivíduos compartilham valor.
Ou seja, o compartilhamento não é mais
só financeiro. A economia de reputação me permite descobrir a pessoa para quem
a troca é útil. Esse tipo de situação agora está disponível por todas essas
plataformas on-line.
Esse é um aspecto. Outro é que as
pessoas têm cada vez menos capacidade de alavancar suas finanças. Os sistemas
financeiros vêm com problemas há muito tempo, as maiores economias do mundo
estão se debatendo, então as pessoas começam a perceber: "Ei, posso entrar
no Skillshare, começar a ensinar as pessoas este hobby de mergulho e conseguir
dinheiro".
Ou: "Só uso meu carro nos fins de
semana, eu posso inscrevê-lo no [site] Rideshare e ter pessoas que me paguem
para usá-lo na semana".
Você entende "hacking" como
quebrar regras, em geral. O novo livro reflete essa ideia?
Sim e não. Uma das coisas que abordo é
o "momento Napster" das finanças. Há um bocado de mudanças tecnológicas
acontecendo agora, algumas beneficiam indivíduos, outras, empresas e outras
concorrem entre si.
Onde entra a palavra
"hacking"? Por exemplo, quando o Napster foi derrubado pela RIAA
[Associação Americana da Indústria Fonográfica], a internet como um todo não se
convenceu de uma hora para outra de que não podia mais baixar músicas de graça.
Em vez disso, foi inventado o protocolo
BitTorrent [para transferência de grande volume de dados entre usuários].
Quando a RIAA começou a derrubar sites
de BitTorrent, surgiram clubes de compartilhamento de arquivos e uma
criptografia melhor. Essas são forças de "hacking" que sempre
tivemos: as mudanças serão apoiadas e reforçadas pelas comunidades on-line,
sejam ou não legais ou desejáveis pelo ambiente regulatório e financeiro.
Em "Hacking Work", de 2010,
você apoia romper regras para alcançar resultados melhores nas empresas
privadas.
Em todas as empresas às quais dei consultoria
sobre inovação e como usar tecnologia de maneira mais eficaz e mudar modelos de
negócio, via que implantar mudança ou evolução numa organização é quase
impossível, porque a cultura é reativa.
Com o passar do tempo, a empresa vai
ganhando uma série de regras que limitam as pessoas. Parte do que você encontra
nas "start-ups" [empresas iniciantes] que as torna tão eficientes é
não terem, ainda, regras. Elas fazem tudo o que for necessário para serem
eficientes.
O livro não sugere jogar tudo que se
sabe fora. Ele propõe encontrar instâncias específicas em que você está sendo
impedido de ser mais efetivo e focar métodos alternativos para quebrar o molde
e termais sucesso, ajudando a empresa e até sua carreira.
Sua série de TV para o National
Geographic, "The Link", de 2012, é transmitida aqui. Ela explora
conexões entre diferentes saltos tecnológicos pela história. Qual é o vínculo
entre a série e o novo livro?
O programa influenciou o livro, no
sentido de estarmos num momento incomum da história em que algumas mudanças
terão efeitos enormes e inesperados. Estamos começando a desenvolver modelos
pré-financeiros para comércio, como [a moeda virtual obtida com a cessão de
poder de processamento do seu computador] Bitcoin ou o [site para aluguel e
sublocação direta de apartamentos para temporadas] Airbnb.
Nos próximos 5 ou 20 anos, veremos boa
parte dos dois terços da humanidade que ainda não estão na internet aparecerem
on-line, e eles vão querer usar métodos mais flexíveis de comércio. Essas
pessoas estão hoje em grande parte no chamado "mercado negro", que
gira US$ 10 trilhões.
Nos próximos 20 anos, esse será o
método majoritário de comércio do planeta.
O que acontece quando a economia do
mundo é ocupada, de uma hora para outra, por uma população que não usa instrumentos
financeiros tradicionais? Ela vai alavancar uma série de plataformas que, hoje,
são bonitinhas e divertidas. Não sabemos como será, mas sabemos que pode ser
muito desestabilizador.
RAIO-X
NOME
Joshua Klein, 39
OCUPAÇÃO
Conferencista e consultor de tecnologia
LIVROS
"Reputation Economics", 2013; "Hacking Work", 2010 (sem
tradução no Brasil)
Pós-Doutorando pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ); Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (PGE-UEM); Pesquisador do Grupo de Estudos Urbanos (GEUR/UEM) e do Observatório das Metrópoles (UFRJ e UEM). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR); Consultor da UNESCO/MEC; Conselheiro no Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial (CMPGT) de Maringá (PR) e Delegado da Assembléia de Planejamento e Gestão Territorial 5 (APGT-5) de Maringá (PR).
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