
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018
COMPORTAMENTOS DO POVO BRASILEIRO SOBRE O CASO LULA
O dia 24 de
janeiro entrou para a história em virtude daquilo que, por convenção, foi
denominado julgamento de segunda instância do ex-presidente Lula. Tive a
oportunidade de acompanhar a maior parte do evento e ouvir as enfadonhas
leituras dos 3 desembargadores para, em um segundo momento, tecer
considerações. Apesar de já saber exatamente qual seria o resultado, fiquei o
tempo todo tentando entender e captar os argumentos, que digo de passagem, nada
acrescentou do que já tinha ouvido em uma polifonia que extrapolou em muito o
ambiente judiciário. Naquele instante pensei em escrever, mas segurei, na
expectativa de ver as manifestações dos amigos e oponentes nas redes sociais.
Oportunamente identifiquei alguns comportamentos e, ao invés de partir para o
embate, preferi entrar na minha biblioteca e sacar das prateleiras o livro do
Darcy Ribeiro, denominado "O povo brasileiro". Fui relendo algumas
páginas e consegui sincronizar os comportamentos visualizados nas redes com aqueles
descritos no livro. Portanto, já adentro diretamente no trecho. Darcy Ribeiro
afirmou que
"Nossa tipologia das classes sociais vê na cúpula dois corpos conflitantes,mas mutuamente complementares. O patronato de empresários, cujo poder vem da riqueza através da exploração econômica; e patriciado, cujo mando decorre do desempenho de cargos, tal como o general, o deputado, o bispo, o líder sindical e tantíssimos outros. Naturalmente, cada patrício enriquecido quer ser patrão e cada patrão aspira às glórias de um mandato que lhe dê, além de riqueza, o poder de determinar o destino alheio. Nas últimas décadas surgiu e se expandiu um corpo estranho nessa cúpula. É o estamento gerencial das empresas estrangeiras, que passou a constituir o setor predominante das classes dominantes. Ele emprega os tecnocratas mais competentes e controla a mídia, conformando a opinião pública. Ele elege parlamentares e governantes. Ele manda, enfim, com desfaçatez cada vez mais desabrida. Abaixo dessa cúpula ficam as classes intermediárias, feitas de pequenos oficiais, profissionais liberais, policiais, professores, o baixo‐clero e similares. Todos eles propensos a prestar homenagem às classes dominantes, procurando tirar disso alguma vantagem. Dentro dessa classe, entre o clero e os raros intelectuais, é que surgiram os mais subversivos em rebeldia contra a ordem. A insurgência mesmo foi encarnada por gente de seus estratos mais baixos. Por isso mesmo mais padres foram enforcados que qualquer outra categoria de gente. Seguem‐se as classes subalternas, formadas por um bolsão da aristocracia operária, que têm empregos estáveis, sobretudo os trabalhadores especializados, e por outro bolsão que é formado por pequenos proprietários, arrendatários, gerentes de grandes propriedades rurais etc. Abaixo desses bolsões, formando a linha mais ampla do losango das classes sociais brasileiras, fica a grande massa das classes oprimidas dos chamados marginais, principalmente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade. São os enxadeiros, os bóias‐frias, os empregados na limpeza, as empregadas domésticas, as pequenas prostitutas, quase todos analfabetos e incapazes de organizar‐se para reivindicar. Seu desígnio histórico é entrar no sistema, o que sendo impraticável, os situa na condição da classe intrinsecamente oprimida, cuja luta terá de ser a de romper com a estrutura de classes. Desfazer a sociedade para refazê‐la. Essa estrutura de classes engloba e organiza todo o povo, operando como um sistema autoperpetuante da ordem social vigente. Seu comando natural são as classes dominantes. Seus setores mais dinâmicos são as classes intermédias. Seu núcleo mais combativo, as classes subalternas.E seu componente majoritário são as classes oprimidas, só capazes de explosões catárticas ou de expressão indireta de sua revolta. Geralmente estão resignadas com seu destino, apesar da miserabilidade em que vivem, e por sua incapacidade de organizar‐se e enfrentar os donos do poder".
A partir dessa
profícua abordagem e caracterização das classes sociais e seu comportamento,
comecei a vasculhar as opiniões nas redes sociais. A despeito da canalização
realizada pelos algoritmos e direcionamento das respectivas redes, é só
realizar um pequeno voo nas páginas dos diversos segmentos e observar os
comportamentos. É importante advertir que tal análise não dá conta de uma
explicação racional e precisa, mas norteia, de alguma forma, como as pessoas se
manifestam frente a temas complexos e de grande importância nacional. O caso do
pseudojulgamento foi um deles, o que viabilizou nossa análise. Dito isso, em
termos metodológicos, partimos para a análise:
- A classe
dominante e o estamento gerencial, chamada por ele como patronato, aquela
própria que detém o poder político e econômico é a causadora de toda a
tragédia. Apesar de não estar nas redes sociais vociferando suas intenções,
pois para isso utilizam-se dos fantoches, é evidente seu papel de viabilizador da "ponte para o
futuro", que incluiu um golpe de Estado, a retirada de direitos dos
trabalhadores via reformas bem como a perseguição a qualquer um que ousar
manifestar-se como defensor da classe trabalhadora, tanto que querem prender
seu principal líder na base do espetáculo. Ou seja, tudo permanece na mais
perfeita ordem já reiteradamente demonstrada pela História.
- A classe do
patriciado: há uma simbiose entre o patriciado, sobretudo aquele que conseguiu
se ascender e a própria classe dominante. A despeito de serem diferentes, em
termos de classes, o patrício acabou tomando os espaços das instituições e, com
isso, realiza ações que vão ao encontro das classes dominantes, quando não
fazem parte. Portanto, foram os próprios realizadores do golpe, uma vez que
estão vinculados ao poder político e econômico. Todos tem páginas sociais e
vociferam como se fizessem a coisa mais certa do mundo, quando sabemos que estão
jogando nosso país de volta à condição de colônia de exploração.
- As classes intermediárias: Essa classe,
juntamente com as subalternas, que seria a quarta na análise, mas aqui já a
fundimos pela simetria de comportamento, mantém-se como as mais bizarras da
tipologia. Seu papel é de fantoche, pois atendem aos anseios da classe
dominante e do patriciado. Marilena Chauí, assim como Darcy Ribeiro, redigiram
sobre seu comportamento, quase como uma cartilha. Chauí denominou-os de imbecis.
Os da esquerda, de coxinhas. Estão imbricados com o poder mais corrupto desta
nação, ou seja, o poder judiciário. Certamente, foram os responsáveis pelo
palco armado em Porto Alegre, em uma propositada realização de execração
pública e entorpecimento da vergonha. Responderam, a contento, os anseios
daqueles que querem viabilizar-se economicamente e não mais depender da via
democrática para alçar ao poder, pois já sabem que pelo voto não possuem
competência, já que não conseguem angariá-los. Na época da análise brilhante de
Darcy Ribeiro, todos
eles são
"propensos
a
prestar
homenagem
às
classes
dominantes,
procurando
tirar
disso
alguma
vantagem". Em nosso tempo, foram aqueles que saíram com a camiseta da seleção
brasileira nas ruas pedirem pelo golpe e agora festejam a condenação de Lula.
Para estes, não interessa que os crimes da alta cúpula do governo prescrevem,
nem que parlamentares e governantes dos partidos azuis e amarelos (PSDB, PP,
PMDB, DEM e outros) sejam inocentados, mesmo com gravações, malas de dinheiro,
operações nos paraísos fiscais e tráfico de drogas! Interessa apenas fazer um
espetáculo e prender o cara que viabilizou direitos e colocou o Brasil na
estatura de oitava potência mundial. É o verdadeiro fantoche: pagam mais pelos
combustíveis, mas não mais reclamam, pois o objetivo não era o preço e sim
retirar Dilma; observam a retirada de direitos, mas fazem de conta que não
serão atingidos; são funcionários públicos mas defendem o Estado Mínimo (ou
seja, são contra seus próprios trabalhos); estudam pra concursos, mesmo sabendo
que não serão abertas mais vagas, bloqueadas pela PEC-55. Entre outras
aberrações. Infelizmente, são aqueles que ainda possuem alguma condição de se
mobilizar. Em outras palavras, possuem tempo suficiente para passarem vergonha
nas redes sociais e obedecer o calendário de manifestações contra a esquerda, pois
são teleguiados da Rede Globo e possuem algum enlarguecimento do horário, pois
são profissionais liberais, funcionários públicos, microempresários e autônomos
que, ao chamamento da TV, levam a família para as ruas para defender "a
moral e os bons costumes da família tradicional cristã brasileira". Isso para
escamotear a hipocrisia que habita em seu cotidiano e em suas práticas. São estes que apoiaram o
MBL e vomitaram nas redes apoio a um almofadinha expulso da corporação militar
que acha que vai ser presidente.
- As classes
oprimidas: os debaixo que, na última década tiveram alguma ascensão, ao menos uma
boa parte, com erradicação da fome (não sou eu quem digo, mas a ONU), agora
voltam a ralar e a comprometer-se com as filas do desemprego e com a exploração
do trabalho ao bel prazer do patrão,
que agora possui todos os direitos e benesses da legalidade. Se já tinham pouca
ou nenhuma consciência de classe e falta
de tempo para qualquer coisa que não seja trabalho-casa-igreja, agora são
surrupiados pelo derretimento dos direitos. A conta fecha, o que significa que
continuarão com as precárias condições de sobrevivência. A esses, está
reservada apenas as expressões indiretas de sua revolta, apesar de que sonho com
a tal "explosão catártica", ou apenas explosão, no sentido de manifestações e revoluções. Esses dizem muitas coisa na rede, mas
é nessa classe que percebo alguma chance
de revanche, pois, pelo que vemos, voltará a ser maioria absoluta. A indignação
já está sendo evidenciada. Essa classe elege Lula, por isso querem prendê-lo.
Essa reflexão
de Ribeiro nos mostra que, no ciclo da mediocridade, era necessário um Golpe,
para "manter tudo como está", como diria um pseudopresidente e, nessa
conjuntura, recuperar nosso retrocesso, elaborado pelas classes dominantes,
executado pelos fantoches das classes "média" e subalternas e
incorporada pelos oprimidos.
Fiquei de
tecer considerações sobre o julgamento, mas querem saber: não vale a pena. Há
teatros melhores que podem fazer bem pra alma.

Pós-Doutorando pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ); Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (PGE-UEM); Pesquisador do Grupo de Estudos Urbanos (GEUR/UEM) e do Observatório das Metrópoles (UFRJ e UEM). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR); Consultor da UNESCO/MEC; Conselheiro no Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial (CMPGT) de Maringá (PR) e Delegado da Assembléia de Planejamento e Gestão Territorial 5 (APGT-5) de Maringá (PR).

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