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quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Palestra sobre Geografia: Atuação, prática e inovação

Ontem, dia 01 de agosto, tive a honra de ministrar a palestra "Geografia: atuação, prática e inovação", na Universidade Estadual do Paraná (Campus Campo Mourão). 

Foi uma honra por ter sido a primeira instituição pública em que tive a oportunidade de lecionar, o que remete para lembranças importantes na trajetória e carreira acadêmica a que propomos seguir. Foi interessante, pois revi os amigos e o engajamento na produção do conhecimento e na formação de professores, papel tão importante e de ímpar significação em tempos de retrocesso social e retorno ao tecnicismo. 

Oportunamente, trabalhei com as perspectivas e experiências que tivemos depois que saímos de lá. Na atuação como docente no ensino médio e técnico, passamos por entraves e complexidades, uma vez que não é possível reproduzir o status quo de um processo educacional que é opaco e ineficiente. A estrutura da rede federal, por exemplo, possibilita múltiplas formas de pensar e fazer pedagógico, uma vez que a "autonomia universitária" viabiliza a criatividade e a implantação de novas formas e processos educacionais. Em outras palavras, é papel docente atuar na busca de profícua formação em termos de didática, mas é essencial que o currículo faça parte de uma discussão permanente. Não há, em tempos extraordinários como vivemos, chance para repetirmos a mesmice em termos pedagógicos e reproduzir os modelos que visam a oferta formativa para o chão de fábrica. Afirmamos, desse modo, que a educação deva seguir os ditames da carta magna, em termos de formação para a cidadania. 

Parece jargão corriqueiro "formar para a cidadania". Porém, sabemos que é discurso apropriado pelas mais diversas instituições, quando na verdade, a ideia é seguir os ditames de um ideário construído no cerne do sistema produtivo e formação cultural embutida: seguem os ideais de formar para os testes, para os vestibulares, para serem "o melhor", para conseguirem uma vaga no "mercado de trabalho". É uma falácia, pois sabemos que os números da educação brasileira ilustram a falência desse modelo: docentes e crianças tomando "de ritalina pra cima"; os estreitos portões das universidades ditando os que entram pela meritocracia e os que não entram pela incompetência, quando sabemos que, mesmo que desconsiderássemos essas esdrúxulas variáveis, não teria vaga pra todo mundo. Em outras palavras, a escola tradicional brasileira "forma" para o sujeito passar nos vestibulares, mas pouco mais de 15% adentram os portões do ensino superior e os demais ficam de fora. 

Devemos, assim, pensar uma educação holística que instrumentalize o sujeito para o mundo da vida, logo, viabilize uma formação cidadã. O cerne dessa mudança de paradigma deve ser a discussão sobre currículos críticos e pós-críticos. Logo, é necessário mudar a estrutura escolar não apenas na forma de atuação docente, mas em termos de método. A discussão sobre currículo pressupõe a discussão de método. É necessário discutir qual o modelo de sociedade que se quer, para esboçar um perfil de egresso que atenda esses anseios. Ao ignorar qualquer discussão sobre neutralidade, assumimos que o currículo não é neutro, logo, é carregado de intencionalidade pedagógica, política, ideológica e cultural. Essa intencionalidade deve ser explicitada, uma vez que o conhecimento historicamente produzido já mostrou que a educação não pode ser tratada como mercadoria e seu resultado não pode ser para a produção de um exército industrial de reserva. Portanto, devemos fomentar a educação para além do capital, como teoriza Mészáros, pois, essencialmente, o mundo passa por alterações significativas no bojo da pós-modernidade. 

Para isso, é necessário despir-se das ilações subservientes do sistema produtivo e pensar de forma holística em uma aprendizagem emancipatória. Logo, é essencial retomar Paulo Freire, Moacir Gadotti, Pierre Bordieu, Michel Foucault, Zigmunt Bauman, Milton Santos, István Mészáros, entre muitos outros, que, para além de discutir educação, discutem sociedade e, para além de discutir sociedade, trabalham com as múltiplas escalas e relações que perpassam a complexidade humana e socioespacial. A escola, como uma das basilares estruturas e, digamos de passagem, uma das instituições que menos mudou, deve passar por um processo de mudança, para, minimamente, acompanhar as novas dinâmicas por que passa nossa sociedade. 

Nessa lógica, não dá mais para afogar a culpa do fracasso escolar na estrutura ou no "sistema". É necessário que os professores assumam o protagonismo como co-responsáveis pela tragédia. Ao assumirmos, teremos a tranquilidade para debruçar sobre novas formas de encarar a dimensão do global que se reflete no local, como dizia Milton Santos, e, imperativamente, alterar de forma definitiva os processos pedagógicos e educacionais. Essa alteração, necessariamente, passa pela necessidade de um professor que consiga fazer uma leitura dialética e mude a forma de atuação, que passa da viabilidade do ensino, que é formal e burocrática e passe para viabilizar a aprendizagem, que é a extrema necessidade das gerações que estão chegando. Em outras palavras, no bombardeamento da informação, na mídia e nos livros didáticos, não é garantida a aprendizagem, uma vez que essa passa pelo fazer. É preciso produzir encantamento e montar escolas que os estudantes sintam-se agentes do processo de formação, transformação e produção do conhecimento. Logo, é necessário colocá-lo em constantes desafios, que inclui a "reinvenção da roda". Portanto, aproveitamos o conhecimento historicamente produzido como essencial no papel da mediação do conhecimento, no entanto, criamos esteiras para que a pesquisa e a investigação científica faça parte do cotidiano dos estudantes, não como receptores, mas como produtores. 

São inúmeras receitas, mas destacamos a pedagogia por projetos como uma das proposições de vanguarda neste processo. Ao considerarmos que o público alvo é heterogêneo bem como possui angústias e necessidades múltiplas, devemos mudar a relação tempo-espaço de aprendizagem, possibilitando tempos e diversificações na forma de aprender. O caminho é conciliar as temáticas ao arranjo social e produtivo local, na perspectiva de ignorar as práticas que consideram o sujeito como tábula rasa e inverter a lógica, em que o sujeito possui vivência, história, processo e conhecimento suficiente para somar ao conhecimento dos demais colegas e, a partir da mediação, produzir uma simbiose com o conhecimento historicamente produzido, como dizia Saviani. 

Ao realizarmos essa experiência por quase dois anos, percebemos avanços significativos em termos de produção do conhecimento. Tivemos estudantes mais criativos, sociáveis, cidadãos e emancipados, na construção de sujeitos de sua própria história. Como nossa área de formação e atuação é a geografia, começamos a ver a geografia em tudo. A ciência que mais estuda e entende de mundo, serviu como luva em projetos diversos com as mais variadas temáticas. Foi necessário despirmos de que era necessário seguir à risca todos os conteúdos listados nos documentos e diretrizes. Desse modo, a aplicação prática em diversos projetos aflorou a necessidade de entendimento de conteúdos desde escala até sensoriamento remoto; desde placas tectônicas até a produção de globo terrestre com demonstração do relevo em impressora 3D; desde estudos sobre as formas de vida até a produção de estação meteorológica computadorizada; desde as células até produção de hortaliças em sistemas agroflorestais sintrópicos e agroecológicos. E assim por diante. 

Na palestra, detalhamos os resultados e também como essa forma de ensinar e aprender ensina o estudante a aprender a aprender como dizia Paulo Freire, de modo que, a despeito das importantes críticas sobre esse pensamento, é cada vez mais necessário despertarmos nos estudantes a melhor forma particular de aprendizagem, pois assim ele ganha o mundo e cada vez menos precisa das engessadas estruturas escolares. O tema, de fato, foi trabalhado sob a perspectiva da geografia, mas no bojo do processo de inovação de processo, no caso, inovação de processo pedagógico. Essa inovação viabilizou espaço e tempo para o afloramento das demais inovações, que foram as inovações de produtos apresentadas na referida palestra. Um demonstrativo segue no anexo. Percorremos, de fato, sobre nossa atuação, a luta por uma educação de vanguarda para posterior aplicação e inovação. Mais detalhes e informações podem ser acompanhados nas pranchas no anexo desse texto. A ideia de não terminá-lo é a possibilidade de gerar curiosidade e despertar o debate sobre os processos inovadores de viabilizar o conhecimento e a aprendizagem, tão caros em um mundo de inflexão ultraliberal em que o retrocesso já pode ser visto pela janela. 

Slides da apresentação








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Pós-Doutorando pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ); Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (PGE-UEM); Pesquisador do Grupo de Estudos Urbanos (GEUR/UEM) e do Observatório das Metrópoles (UFRJ e UEM). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR); Consultor da UNESCO/MEC; Conselheiro no Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial (CMPGT) de Maringá (PR) e Delegado da Assembléia de Planejamento e Gestão Territorial 5 (APGT-5) de Maringá (PR).
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