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terça-feira, 6 de junho de 2017

SEMANA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE: O QUE ESTAMOS FAZENDO A RESPEITO?

No ano de 2017, a Semana Mundial do Meio Ambiente teve como lema "Conectando as Pessoas à Natureza", o que permite uma pausa para reflexão sobre vários contextos: o cenário mundial, o próprio lema investido nas ações, o papel enquanto cidadão e, no nosso caso, nosso fazer docente.

No cenário mundial, cremos que a ideia foi aprofundar o sentido da palavra conexão. Cotidianamente, parte da população mundial, sobretudo àquela que interessa para a usabilidade do capital, está amplamente conectada pelas fibras óticas e pelas mais diversas ondas. Neste caso, os milhões ou bilhões de usuários estão conectados ao mundo tecnológico, muitas vezes como receptáculo ou depósito de informações e propagandas e outras, como números, para que as grandes corporações e agencias de "aplicativos" ampliem suas receitas e valores das ações, ao assumir o controle da informação e dos meios de comunicação. Por outro lado, viabilizam a conexão e o acesso ao mundo virtual, de modo que consolide a "sociedade do espetáculo" (Guy Debord). Alimentam o establishment, mas a parte boa é a possibilidade de conhecer pessoas, ideias, lugares e ampliar nossas conexões com o mundo.

Talvez seja essa a ideia que sustenta a chamada do Meio Ambiente: "Conectar as Pessoas com a Natureza", não apenas no sentido de fazer com que o sujeito se desloque para uma "mata fechada" ou para uma "pescaria", mas para que a conexão seja no âmbito do pensamento. Analisando o cenário mundial, o momento calhou com a coleção de atrocidades do presidente estadunidense, em que, a partir de uma medida inacreditável, rompeu com o Acordo de Paris, opondo-se ao respectivo acordo. Pode ser, nesta ocasião, a oportunidade para uma reflexão de modo mais amplo sobre o meio ambiente, uma vez que a data estabelecida tem a ver com a Conferência de Estocolmo, ocorrida em 1972. A partir deste evento, diversos outros aconteceram, tendo em vista debater amplamente as ditas "ações antrópicas" sobre o meio ambiente, em outras palavras, o impacto do desenvolvimento e a exploração dos recursos naturais sem sustentabilidade.

Naqueles cenários, surgiram conceitos como sustentabilidade e desenvolvimento sustentável que, como mote de discursos, oportunizou a criação de grupos radicais, de um lado ou de outro, mas, sobremaneira, permitiu que países incluíssem em suas cartas magnas, tais conceitos em um movimento de trazer o meio ambiente para a pauta. Um dos exemplos, é a própria legislação brasileira, cuja incorporação viabilizou instrumentos regulatórios sobre obras que impactam o meio ambiente. Obviamente, muitas dessas ações são usadas e interpretadas para viabilizar o setor produtivo, encurtando as possibilidades de fiscalização e cuidado, cuja máxima pôde ser observada com o desastre de Mariana e, em consequência, a destruição do Rio Doce. Essa tragédia deve ser debatida e investigada sob olhar geográfico e de outras áreas que pensam o objeto, pois, a partir da catástrofe "premeditada", o caos social, a proliferação de doenças, a morte de uma biota são apenas algumas das "heranças" deste processo. E.... o sentimento de impunidade também!

Em relação ao próprio lema, urge incorporarmos ações e estratégias para que o descolamento do homem urbano da natureza, situação inerente ao desenfreado processo de urbanização da sociedade capitalista, seja revertido, porém, já sabemos que essa reversão só será possível se ações locais forem encaradas de forma tão nobre como é encarada a discussão sobre o aquecimento global. A despeito dos prós e contras de sua discussão, não é possível que deixemos um sujeito beneficiar o setor produtivo em detrimento do meio ambiente como fez Trump, bem como não devemos criar fetiches sobre o aquecimento global, como a mídia tradicional e ex-gestores estadunidenses trataram de abordar. Em outras palavras, nem oito e nem oitenta. Sob o viés da natureza, há muito mais variáveis do que são proferidas nestes discursos. É necessário profícuo trabalho dos estudiosos, no sentido de sairmos (nos incluindo) dos muros das universidades e arrolarmos nossas ações na comunidade, tanto em termos da educação ambiental, que caiu na banalização das ações, quanto em termos de trabalhos concretos que possam abalar o campo do pensamento, logo, o campo cultural.

Nesse aspecto, é necessário rever o papel do cidadão. Somos acostumados, quando o tema é meio ambiente, a incorporar ações como "não jogar papel no chão", ou ainda, "fazer a reciclagem", ou "não cortar as matas ciliares", ou ainda "plante uma árvore" . Tudo isso é fundamental, mas deve ser inerente ao nosso fazer enquanto cidadão. Para além disso, é necessário criar consciência política, uma vez que as decisões e as leis são criadas por quem nos representa. Talvez, se Trump não estivesse lá, essa ação de ruptura para beneficiar a indústria estadunidense não teria ocorrido. Porventura, se tivéssemos consciência política, não teríamos Blairo Maggi, um dos maiores PIBs agrícolas, à frente do Ministério da Agricultura; não teríamos Mendonça Filho, comandando o Ministério da Educação, criando medida provisória para que as áreas que estudam o meio ambiente sejam minimizadas para dar espaço às áreas que servem para talhar peões para o chão de fábrica. Parece tema desconectado, mas não é: as ações políticas, independentemente do nível de escala, poderão contribuir para que cuidamos do nosso estrato, que é o palco da vida. Um exemplo de ações politizadas é o caso de ONGs. Preservando aqui as boas e louváveis ações neste sentido, sabemos que muitas delas são montadas sine qua non para levantamento de "verbas" que visam alimentar um batalhão de gente, cuja causa ambiental só serve pra viabilizar escusos interesses. Outro exemplo diz respeito aos certificados de qualidade emitidos para pessoa jurídica, em que unidades do setor produtivo fazem mínimas ações que chamam de "educação ambiental", ridicularizando e destruindo a ideia.


Hundreds of environmentalists arrange their bodies to form a message of hope and peace in front of the Eiffel Tower in Paris, France, December 6, 2015, as the World Climate Change Conference 2015 (COP21) continues at Le Bourget near the French capital. REUTERS/Benoit Tessier


Ambientalistas formam mensagem em frente à Torre Eiffel em Paris, França. Foto: REUTERS/Benoit Tessier
Fonte: http://diplomaciacivil.org.br/como-os-paises-tem-se-portado-apos-o-acordo-de-paris/

Por fim, retratamos aquilo que estamos fazendo. Já que emitimos ideias, é de bom tom registrar algumas ações que possam contribuir para que novas interações sejam pensadas. Como docente, tivemos uma breve oportunidade de executar a pedagogia por projetos como metodologia de aprendizagem, o que canalizou para a realização de diversos projetos. Gostaríamos de ressaltar que, dentro dessa prática, que pressupomos um currículo crítico e pós-crítico de formação, embarcamos em ações revolucionárias, tanto do ponto de vista de negar uma educação que seja meramente para a reprodução ampliada do capital com exploração da força de trabalho, quanto do ponto de vista de incorporar uma outra lógica ao nossos estudantes no que tange ao pensamento sobre o meio ambiente e sobre o nosso planeta: a mudança no comportamento, logo, na cultura. Em outras palavras, não basta interferir na forma, incentivando apenas que não joguem papel no chão ou que plantem uma árvore na vida; é necessário interferir na estrutura, em que sujeitos possam refletir sobre seu espaço, seu lugar, seu território e, neles, o seu fazer, pressupondo consciência que será, necessariamente, revertida para sua comunidade e influências. Neste sentido, pressupomos mudança na forma de enxergar a complexidade do nosso planeta e, nele, da natureza, pois somente assim, é possível conectar o homem à natureza, como sugere o lema.

Desse modo, apresentamos nossas ações com estudantes do ensino médio:

Projeto 1 - Maquete Arquitetônica Sustentável:  
Neste projeto, estudantes refletiram sobre como fazer uma maquete, que utilizasse de recursos tecnológicos e de conforto, mas também fosse pensada sob a ótica da sustentabilidade. Estudaram os diversos conhecimentos necessários para sua elaboração, com destaque para elementos da arte e da engenharia. Aprenderam conhecimentos propedêuticos, mas também tiveram que associar a informática, por meio da domótica e da programação. As ações sustentáveis incorporadas foram as seguintes: captação de energia limpa, por meio de placa fotovoltáica; reciclagem da água e manutenção da água da piscina (lembrem - eles queriam conforto), por meio de sistema hidráulico bem como por processo de irrigação; separação de espaço para área florestal, com a criação de sistema agroflorestal sintrópico; construção de sistema térmico a partir de materiais recicláveis; entre outras. Este projeto gerou aprendizagem e demonstrou a dificuldade de pensar ontologicamente a questão. No entanto, os estudantes envolvidos tiveram profícua interação com ações ambiental, o que, a partir da transcendência, viabilizou outros projetos escolares, que, ao saírem da maquete, passaram para o plano da realidade.


Maquete Arquitetônica com destaque para placa fotovoltáica

Projeto 2 - Sistema Agroflorestal Sintrópico:
Já na sequencia do projeto anterior, tal ação foi pensada pelos estudantes a partir do projeto original, da maquete. A partir de uma área de pequena floresta, em nosso campus, estudantes protocolaram projeto para criação de um sistema agroflorestal, aliando as potencialidades da "florestinha" com produção agrícola orgânica. Desenvolveram uma horta aproveitando dos insumos da natureza, da aprendizagem sobre o sistema de podas, do manejo orgânico do solo, que, digamos de passagem, é extremamente ácido e arenoso; aprenderam como cultivar, como plantar, como fazer o manejo e a geografia do terreno. Perceberam o impacto e o movimento das águas e apreenderam que não era possível, em um sistema inicial, aproveitar apenas dos recursos naturais, como a chuva, por exemplo. Desse modo, criaram um novo projeto, denominado Sintros 2 ou Engenharia e, neste, desenvolveram um sistema de energia limpa, com captação por placa fotovoltáica; estão desenvolvendo a engenharia e a elaboração do sistema hidráulico; estudam e selecionam o que deve ser plantado de acordo com as estações do ano; mapeiam a biota; os próximos passos são a programação do movimento da placa fotovoltáica de acordo com o tamanho do dia e do movimento do sol e a programação de um sistema de robótica para irrigação programada. Essa ação será possível, com a ajuda de um outro projeto, denominado estação meteorológica computadorizada.


Instalação da Placa Fotovoltáica 

 Projeto 3 - Estação Meteorológica Computadorizada:
Este projeto foi pensado a partir da aquisição de uma impressora 3D. Desse modo, a estação é impressa. A partir da plataforma do Arduíno, estudantes estão desenvolvendo estação portátil, ou seja Pocket, com equipamentos digitais e físicos como termômetro, pluviômetro, barômetro, medidor de umidade do solo, entre outros. É dinâmico, pois precisa entender de planeta Terra; mas também é necessário conhecer matemática, informática, sociologia, história, língua portuguesa, dentre tantos conhecimentos relacionados. É bem fácil encontrar aplicativos e produtos relacionados. Na universidade, quando cursamos climatologia, fazemos algumas visitas na Estação Climatológica para saber a função dos instrumentos e equipamentos. No nosso projeto, os estudantes são envolvidos na prática, produzindo conhecimento e não apenas apreendendo-os. Parece um interessante caminho para que o meio ambiente seja mais transversal do que o habitual.


Equipamento impresso para Estação Meteorológica Computadorizada

Projeto 4 - Globo Terrestre em 3 Dimensões:
A ideia deste projeto, no âmbito de uma oficina, partiu da compra de uma impressora 3D. Quando estudávamos na graduação, no Departamento de Geografia, eventualmente observávamos um quadro na parede com o relevo oceânico. Pensávamos na possibilidade de criar um Globo Terrestre que pudéssemos tatear o relevo, mesmo sabendo que para isso deveríamos exagerar a escala vertical. Nesse caso, conseguimos imprimir um protótipo e, a partir dele, com materiais alternativos, como gesso, por exemplo, pudemos elaborar em grande escala para que todos os estudantes tivessem contato, pudessem diferenciar as placas oceânicas das continentais, apreendessem a dinâmica do tectonismo, vulcanismo e terremotos e, pudessem desenhar as partes continentais de acordo com a hipsometria ou mapa político. Foi um trabalho interessante, no sentido de apresentar a magnitude do nosso planeta bem como por demonstrar nossa fragilidade frente ao tamanho e dinâmica do nosso planeta, ao mesmo tempo em que aprendemos nosso papel enquanto agentes de transformação da natureza. O despertar para o fazer pode ser um caminho para que os objetos criados, as livrarias, as bibliotecas e demais ambientes de aprendizagem, não percam espaço na mente dos nossos jovens para a virtualidade dos equipamentos de informação e comunicação. Talvez consigamos resgatá-los para uma outra realidade, aquela do mundo vivido, conectando o homem, de fato, com a natureza.


Globo Terrestre em 3D (Revelo Continental e Oceânico) impresso direto na impressora 3D


Globo Terrestre elaborado a partir do protótipo confeccionado pelos estudantes com gesso e tinta

Projeto 5 - Animal Planet:
Neste projeto, estudantes estão realizando, a partir de tecnologias de edição de imagens e desenho, uma linha do tempo geológico, observando as extinções em massa bem como o momento do surgimento de espécies. A ideia, além da construção de uma linha do tempo geológico, criar um encetário e estudar a realidade local. Este trabalho está conectado ao Sintros 2, na perspectiva de que a fauna influencia e é influenciada pela flora, na constituição de uma biota. Essa investigação pode ser um caminho para a aprendizagem ambiental de forma abissal, uma vez que conhecimentos geográficos e biológicos estão aflorados.

Projeto 6 -  HQ
Neste projeto, de História em Quadrinhos (HQ), estudantes criaram personagens diversos e estão criando enredos de histórias que possam gerar aprendizagem. Estes estudantes observam a aprendizagem dos demais, em uma prática de socialização, para que a aprendizagem realizada nos demais projetos possam ser transferidas para um HQ. Um dos objetivos é a realização de ambiente de leitura e elaboração de material para que os estudantes substituam o whatsapp pela leitura. É um ato revolucionário, pois cria um círculo poderoso. Grande parte dos roteiros já criados tem a ver com questões ambientais e sobre conhecimentos do nosso planeta, visando, criar cultura ambiental.

Demais projetos: para não delongar, já antecipamos que tivemos projetos que foram finalizados, como Energia Eólica (energia limpa), bem como temos outros projetos que, de forma indireta, aborda conhecimentos sobre o meio ambiente e natureza, porém, como possuem outras abordagens fundamentais, serão apresentados quando explorarmos aqueles temas.


De modo geral, defendemos que esta mudança passa pela educação. Não na apropriação banal do discurso, que é usado em todas as esferas e temas polêmicos. Mas na ideia de que, se é pra causar mudança no comportamento e no pensamento, não basta apenas ações pontuais em uma "semana do meio ambiente", pois as consequências também serão pontuais. Temos que rebelar contra a medida provisória e trabalhar a natureza e o meio ambiente de modo transversal, de fato. Temos que romper com o pensamento cartesiano e pensar o mundo dialeticamente. O objeto deve ser apreendido interdisciplinarmente, despertando a compreensão ontológica. Sabemos que o combate é quase insano, pois vivemos um período de inflexão ultraliberal que já atacou nossos espaços de aprendizagem. O grupo conservador já se apropriou das ações de um governo ilegítimo e estão inibindo nossas chances de continuar projetos de vanguarda! Por isso, nosso manifesto: é necessário lutar! urge resistir! É necessário buscarmos novas conexões...com a natureza!
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Pós-Doutorando pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ); Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (PGE-UEM); Pesquisador do Grupo de Estudos Urbanos (GEUR/UEM) e do Observatório das Metrópoles (UFRJ e UEM). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR); Consultor da UNESCO/MEC; Conselheiro no Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial (CMPGT) de Maringá (PR) e Delegado da Assembléia de Planejamento e Gestão Territorial 5 (APGT-5) de Maringá (PR).
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