sábado, 26 de julho de 2014
Mais médicos, por favor. E mais rápido
Postado em 21 jul 2014
Dois enfermeiros, um com as mãos no bolso, observam o segurança Nelson França agonizar. Estão em frente ao hospital onde trabalham. O Hospital e Maternidade Santo Expedito, em Itaquera, atende apenas clientela particular e convênios.
Os enfermeiros não agem, não socorrem. Nelson França irá morrer poucos minutos depois. Dentro de uma viatura de resgate, a caminho de um hospital público, segundo relato dos bombeiros, ou ali mesmo no local segundo a testemunha Daniela Gomes que, além de gravar em vídeo a inoperância dos funcionários, diz ter ouvido um médico tirar a pulsação da vítima e afirmar que já se encontrava em óbito ali na calçada.
Talvez a disposição da dupla fosse a de prestar socorro, mas sua paralisia indica que algo além de sua alçada a impedia. Seria a direção do hospital? Um terceiro efermeiro, Leonardo B. Santos, se aproximou e ordenou que a dupla retornasse ao trabalho e abandonasse Nelson França ali.
A nota oficial diz:
A direção do Hospital Santo Expedito determinou abertura de sindicância para apuração do ocorrido e, caso seja apurada a responsabilidade de algum profisisonal, a diretoria do hospital não hesitará em punir com rigor os eventuais envolvidos, colocando-se à disposição das autoridades policiais e do respectivo Conselho de Enfermagem.
O Hospital Santo Expedito não corrobora de forma alguma com qualquer tipo de omissão de seus profissionais, visto que, em sua trajetória, nunca furtou-se em atender vítimas de acidente de trânsito, pessoas baleadas, pessoas em processo de infarto agudo do miocárdio e com acidente vascular cerebral (AVC), entre outras ocorrências, mesmo que deprovidas de convêncio de assistência médica.
A diretoria do Hospital Santo Expedito sempre priorizou o atendimento à comunidade local, composta na sua grande maioria por pessoas menos favorecidas. Nesse caso, em particular, o senhor Nelson França foi irresponsavelmente abandonado pelo condutor da lotação que, caso tivesse adentrado ao pronto-socorro, distante 150 metros do local, este fato não teria acontecido.
O Hospital Santo Expedito está totalmente à disposição para eventuais esclarecimentos.
Atenciosamente,
Direção Hospital Santo Expedito
A nota deixa claro que irá responsabilizar os enfermeiros e médicos envolvidos (um comportamento semelhante ao da polícia militar que condena os que são pegos em flagrante ao atuarem de acordo com as diretrizes implícitas) e também o motorista da lotação, a distância entre a porta do hospital e o despejo da vítima… Santo expedito? De expedito não tem nada. Nelson França agonizou no chão por uma hora.
Há pouco mais de um mês, o fotógrafo Luiz Claudio Marigo, 63, morreu de forma semelhante no Rio de Janeiro. Marigo passou mal dentro de um ônibus, foi levado ao Instituto Nacional de Cardiologia e, adivinhem, não foi socorrido.
O que faz profissionais da saúde comportarem-se dessa maneira? O programa Mais Médicos é, desde sua criação, alvo de críticas virulentas acerca de sua intenção eleitoreira, de sua composição política, sua forma de pagamento, disso, daquilo. Alguém já parou para pensar que a necessidade de “mais médicos” é também na acepção do termo e não apenas em número de profissionais?
O que falta, são profissionais imbuídos da motivação primeira dessa área: salvar vidas. Assistir seres humanos. Estejam onde estiverem. E com ou sem dinheiro no bolso.
No entanto, o que vemos são instituições e médicos mercenários. A profissão ganhou fama de rentabilidade sabe-se lá em que ponto da história e hoje vemos a mercantilização da saúde através das grandes empresas de convênios, bairros nobres pinhados de consultórios e clínicas particulares mas nenhuma disposição para atuação na periferia.
É por esses e outros motivos que a ampliação do programa do governo federal se faz necessária. Seja com cubanos ou tibetanos, precisamos de mais médicos e mais amor, por favor. E rápido.
Pós-Doutorando pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ); Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (PGE-UEM); Pesquisador do Grupo de Estudos Urbanos (GEUR/UEM) e do Observatório das Metrópoles (UFRJ e UEM). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR); Consultor da UNESCO/MEC; Conselheiro no Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial (CMPGT) de Maringá (PR) e Delegado da Assembléia de Planejamento e Gestão Territorial 5 (APGT-5) de Maringá (PR).
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