sábado, 8 de março de 2014
"Dia Internacional da Mulher” ou “Dia Internacional de Luta pelos Direitos das Mulheres"?
Poderia aqui, como
fizeram todos, parabenizar a todas as mulheres pelo seu Dia. Principalmente a
minha companheira Edna Töws, minha filha que esperamos pra junho, a princesinha
Beatriz! Minha Velha Dulcinéia e Minha Sogra Ivonete! Minha avó Hilda que está
vivíssima e minha avó Dina, que já se foi! A estas, parabenizo sempre, todos os
dias! Como digo sempre, se Deus fez algo melhor do que a Mulher, guardou pra
ele, não deu pra nós não!!!
Então, todos os dias
temos que dar os parabéns e nosso reconhecimento às mais de 3.580.624.926
mulheres do planeta; àquelas que estão abrindo mão de culturas e religiões
milenares no Oriente Médio para contribuir no desenvolvimento de seus países; àquelas
que rompem com as castas na Índia e, na contramão dos machismos instalados,
buscam o mundo e a liberdade; àquelas que foram mortas pelo controle de
natalidade da China e contribuíram para a triste estatística de termos, no
planeta, 57 milhões de homens a mais do que mulheres (ONU); àquelas que, mesmo
em número bem menor do que deveria, comandam países, estados, cidades e
instituições que contribuem com a oferta e acesso aos bens de consumo coletivo para os cidadãos; àquelas que, em número maior do que de homens, ocupam as vagas nas
instituições de ensino e contribuem para o aperfeiçoamento e expansão do
conhecimento científico e tecnológico; à todas as minhas alunas e ex-alunas que
buscam seu espaço no mundo perverso da contradição globalizante; enfim, à todas
as mulheres que, pelo dom que possui, permite a continuidade de nada mais, nada
menos, do que a Vida!
Mas, para refletir,
na contramão do que li durante o dia nas redes sociais, importo um texto de
Marjorie Rodrigues que, de fato, mostra que temos que desmascarar os machismos
e militar pela igualdade de direitos, de oportunidades, de vez e voz! Portanto,
8 de março deve ser considerado, pela sua história, no Dia Internacional de Luta
pelos Direitos das Mulheres:
Dispenso esta Rosa
Por Marjorie
Rodrigues
Dia
8 de março seria um dia como qualquer outro, não fosse pela rosa e os parabéns.
Toda mulher sabe como é. Ao chegar ao trabalho e dar bom dia aos colegas, algum
deles vai soltar: “parabéns”.
Por
alguns segundos, a gente tenta entender por que raios estamos recebendo
parabéns se não é nosso aniversário (exceção, claro, à minoria que, de fato,
faz aniversário neste dia). Depois de ficar com cara de bestas, num estalo a
gente se lembra da data, dá um sorriso amarelo e responde “obrigada”, pensando:
“mas por que eu deveria receber parabéns por ser mulher?”
Mais
tarde, chega um funcionário distribuindo rosas. Novamente, sorriso amarelo e
obrigada. É assim todos os anos. Quando não é no trabalho, é em alguma loja.
Quando não é numa loja, é no supermercado. Todos os anos, todo 8 de março: é
sempre a maldita rosa.
Dizem
que a rosa simboliza a “feminilidade”, a delicadeza. É a mesma metáfora que
usam para coibir nossa sexualidade – da supervalorização da virgindidade é que
saiu o verbo “deflorar” (como se o homem, ao romper o hímen de uma mulher,
arrancasse a flor do solo, tomando-a para si e condenando-a – afinal, depois de
arrancada da terra, a flor está fadada à morte). É da metáfora da flor,
portanto, que vem a ideia de que mulheres sexualmente ativas são “putas”,
inferiores, menos respeitáveis.
A
delicadeza da flor também é sua fraqueza. Qualquer movimento mais brusco lhe
arranca as pétalas. Dizem o mesmo de nós: que somos o “sexo frágil” e que, por
isso, devemos ser protegidas. Mas protegidas do quê? De quem? A julgar pelo número de estupros, precisamos de proteção contra os homens.
Ah, mas os homens que estupram são psicopatas, dizem. São loucos. Não é com
estes homens que nós namoramos e casamos, não é a eles que confiamos a tarefa
de nos proteger. Mas, bem, segundo pesquisa Ibope/Instituto Patrícia Galvão, 51% dos brasileiros dizem conhecer alguma mulher que é agredida por seu
parceiro. No resto do mundo, em 40 a 70 por cento dos assassinatos de mulheres, o autor é o próprio
marido ou companheiro. Este tipo de crime também aparece com frequência na
mídia. No entanto, são tratados como crimes “passionais” – o que dá a errônea
impressão de que homens e mulheres os cometem com a mesma frequência, já que a
paixão é algo que acomete ambos os sexos. Tratam os homens autores destes
crimes como “românticos” exagerados, príncipes encantados que foram longe demais. No entanto, são as
mulheres as neuróticas nos filmes e novelas. São elas que “amam
demais”, não os homens.
Mas
a rosa também tem espinhos, o que a torna ainda mais simbólica dos mitos que o
patriarcado atribuiu às mulheres. Somos ardilosas, traiçoeiras, manipuladoras,
castradoras. Nós é que fomos nos meter com a serpente e tiramos o pobre Adão do
paraíso (como se Eva lhe tivesse enfiado a maçã goela abaixo, como se ele não a
tivesse comido de livre e espontânea vontade). Várias culturas têm a lenda da vagina dentada.
Em Hollywood, as mulheres usam a “sedução” para prejudicar os homens e
conseguir o que querem. Nos intervalos do canal Sony, os machos são de
“respeito” e as mulheres têm “mentes perigosas”. A mensagem subliminar é:
“cuidado, meninos, as mulheres são o capeta disfarçado”. E, foi com medo do
capeta que a sociedade, ao longo dos séculos, prendeu as mulheres dentro de
casa. Como se isso não fosse suficiente, limitaram seus movimentos com
espartilhos, sapatos minúsculos (na China), saltos altos. Impediram-na que
estudasse, que trabalhasse, que tivesse vida própria. Ela era uma propriedade
do pai, depois do marido. Tinha sempre de estar sob a tutela de alguém, senão
sua “mente perigosa” causaria coisas terríveis.
Mas
dizem que a rosa serve para mostrar que, hoje, nos valorizam. Hoje, sim.
Vivemos num mundo “pós-feminista” afinal. Todas essas discriminações acabaram!
As mulheres votam e trabalham! Não há mais nada para conquistar! Será mesmo?
Nos últimos anos, as diferenças salariais entre homens e mulheres (que seguem as mesmas
profissões) têm crescido no Brasil, em vez de diminuir. Nos
centros urbanos, onde a estrutura ocupacional é mais complexa, a disparidade tende a ser pior. Considerando que recebo menos
para desempenhar o mesmo serviço, não parece irônico que o meu colega de
trabalho me dê os parabéns por ser mulher?
Dizem
que a rosa é um sinal de reconhecimento das nossas capacidades. Mas, no ranking
de igualdade política do Fórum Econômico Mundial de 2008, o Brasil está em 100º lugar entre 130 países. As mulheres têm
11% dos cargos ministeriais e 9% dos assentos no Congresso – onde, das 513
cadeiras, apenas 46 são ocupadas por elas. Do total de prefeitos eleitos no ano
passado, apenas 9,08% são mulheres. E nós somos 52% da população.
A
rosa também simboliza beleza. Ah, o sexo belo. Mas é só passar em frente a uma
banca de revistas para descobrir que é exatamente o contrário. Você nunca está
bonita o suficiente, bobinha. Não pode ser feliz enquanto não emagrecer. Não
pode envelhecer. Não pode ter celulite (embora até bebês tenham furinhos na
bunda). Você só terá valor quando for igual a uma modelo de 18 anos (as modelos
têm 17 ou 18 anos até quando a propaganda é de creme rejuvenescedor…). Mas
mesmo ela não é perfeita: tem de ser photoshopada. Sua pele é alterada a ponto
de parecer de plástico: ela não tem espinhas nem estrias nem olheiras nem
cicatrizes nem hematomas, nenhuma dessas coisas que a gente tem quando vive.
Ela sorri, mas não tem linhas ao lado da boca. Faz cara de brava, mas sua testa
não se franze. É magérrima (às vezes, anoréxica), mas não tem nenhum osso saltando.
É a beleza impossível, mas você deve persegui-la mesmo assim, se quiser ser
“feminina”. Porque, sim, feminilidade é isso: é “se cuidar”. Você não pode
relaxar. Não pode se abandonar (em inglês, a expressão usada é exatamente esta:
“let yourself go”). Usar uma porrada de cosméticos e fazer plásticas é a
maneira (a única maneira, segundo os publicitários) de mostrar a si mesma e aos
outros que você se ama. “Você se ama? Então corrija-se”. Por mais
contraditória que pareça, é esta a mensagem.
Todo
dia 8 de março, nos dão uma rosa como sinal de respeito. No entanto, a
misoginia está em toda parte. Os anúncios e ensaios de moda glamurizam a violência contra a mulher. Nas propagandas de cerveja e programas humorísticos,
as mulheres são bundas ambulantes, meros objetos sexuais. A pornografia
mainstream (feita pela Hollywood pornô, uma indústria multibilionária) tem cada vez mais
cenas de violência, estupro e simulação de atos sexuais feitos
contra a vontade da mulher. Nos videogames, ganha pontos quem atropelar
prostitutas.
Todo
dia 8 de março, volto para casa e vejo um monte de mulheres com rosas vermelhas
na mão, no metrô. É um sinal de cavalheirismo, dizem. Mas, no mesmo metrô,
muitas mulheres são encoxadas todos os dias. Tanto que o Rio criou um vagão
exclusivo para as mulheres, para que elas fujam de quem as assedia. Pois é,
eles não punem os responsáveis. Acham difícil. Preferem isolar as vítimas.
Enquanto não combatermos a ideia de que as mulheres que andam sozinhas por aí
são “convidativas”, propriedade pública, isso nunca vai deixar de existir.
Enquanto acharem que cantar uma mulher na rua é elogio, isso nunca vai
deixar de existir. Atualmente, a propaganda da NET mostra um pinguim (?)
dizendo “ê lá em casa” para uma enfermeira. Em outro comercial, o russo
garoto-propaganda puxa três mulheres para perto de si, para que os
telespectadores entendam que o “combo” da NET engloba três serviços.
Aparentemente, temos de rir disso. Aparentemente, isso ajuda a vender TV por
assinatura. Muito provavelmente, os publicitários criadores desta peça não
sabem o que é andar pela rua sem ser interrompida por um completo desconhecido
ameaçando “chupá-la todinha”.
Então,
dá licença, mas eu dispenso esta rosa. Não preciso dela. Não a aceito. Não me
sinto elogiada com ela. Não quero rosas. Eu quero igualdade de salários, mais
representação política, mais respeito, menos violência e menos amarras. Eu
quero, de fato, ser igual na sociedade. Eu quero, de fato, caminhar em direção
a um mundo em que o feminismo não seja mais necessário.
…
Enquanto isso não acontecer, meu querido, enfia esta rosa no digníssimo senhor
seu ****.
Fonte: inquietudine
Pós-Doutorando pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ); Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (PGE-UEM); Pesquisador do Grupo de Estudos Urbanos (GEUR/UEM) e do Observatório das Metrópoles (UFRJ e UEM). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR); Consultor da UNESCO/MEC; Conselheiro no Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial (CMPGT) de Maringá (PR) e Delegado da Assembléia de Planejamento e Gestão Territorial 5 (APGT-5) de Maringá (PR).
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