sexta-feira, 29 de novembro de 2013
Benito Muros enfrenta a obsolescência programada
Após lançar lâmpada que dura cem anos, espanhol quer debater uma das práticas mais difundidas – e devastadoras – da produção capitalista contemporânea
Por Cibelih Hespanhol
Em 1999, quando o espanhol Benito Muros visitou o quartel de bombeiros de Livermore, na Califórnia, conheceu uma lâmpada que está acesa há 112 anos no local. E iluminou-se numa ideia: “Se em 1901 foi produzida uma lâmpada que dura mais de cem anos, por que não agora?”.
Foi então que Muros compreendeu o conceito de obsolescência programada – as lâmpadas no século XXI, e uma infinidade de outros produtos, não duram e não interessam que durem – simplesmente para que o consumidor precise comprar mais, fazendo lucrar as corporações. Benito conta em entrevista: para demonstrar que tal prática não é inevitável, resolveu fabricar sua própria lâmpada. Assim foi produzida a OEP Eletrics, que possui garantia de 219 mil horas de funcionamento e gasta 70% menos energia que as lâmpadas fluorescentes convencionais. Também propôs um movimento chamado Sem Obsolescência Programada.
Muros afirma que tem sido ameaçado de morte. É carismático e às vezes controverso, Seja como for, sua iniciativa ajuda a lançar luz sobre uma prática capitalista cada vez mais anacrônica e devastadoras e, no entanto, cada vez mais empregada. Aobsolescência programada surgiu há quase cem anos, no coração da indústria automobilística. Em 1924, diante de uma das primeiras crises de estagnação da venda de carros novos, Alfred Sloan Jr, executivo-chefe da General Motors, teve a ideia de mudar, a cada ano, algumas das características dos modelos fabricados. Foi amplamente criticado – inclusive por Henry Ford, para quem a nova prática prejudicaria a produção em escala.
Mas sua iniciativa mudou a indústria. Aos poucos, dezenas de pequenos produtores de automóveis fecharam as portas, por não poderem pagar os custos de design e reprogramação das fábricas implicados. A GM ultrapassou a Ford, assumindo a condição de principal fabricante norte-americana e mundial. Mais tarde, durante adepressão econômica vivida pelos EUA nos anos 30, o industrial Brook Stevens teria inventado o jargão: “um produto que não se desgasta é uma tragédia para os negócios”.
Na indústria automobilística, lançar um modelo a cada ano tornou-se prática quase obrigatória. Mas obsolescência programada esparramou-se rapidamente por todos os ramos da produção capitalista. Uma de suas marcas contemporâneas são as imensas filas formadas, em lojas de todo o mundo, nas noites de lançamento de novos modelos do Ipad. Não é preciso muito para compreender suas consequências ambientais, num mundo de recursos finitos e produção incessante de lixo.
O espanhol Muros persevera. Para ele, as ameaças (e as dificuldades em encontrar intermediários para a venda das lâmpadas) não são um problema: “Meu objetivo não é vender, mas sim chamar atenção para a necessidade de mudar o nosso sistema econômico atual, baseado no consumo e no desperdício, no deitar fora e comprar. Não fiz isto para vender lâmpadas. Apenas para dizer ao mundo que as coisas podem ser de outra forma, sem enganar ninguém, sem destruir o planeta e sem usar recursos de que não se precisa”.
Quanto à lâmpada de Livermore, que inspirou Muros e é considerada um verdadeiro destino turístico, vale ressaltar: as câmeras webcans que a vigiam diariamente já precisaram ser trocadas.
Pós-Doutorando pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ); Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá (PGE-UEM); Pesquisador do Grupo de Estudos Urbanos (GEUR/UEM) e do Observatório das Metrópoles (UFRJ e UEM). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR); Consultor da UNESCO/MEC; Conselheiro no Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial (CMPGT) de Maringá (PR) e Delegado da Assembléia de Planejamento e Gestão Territorial 5 (APGT-5) de Maringá (PR).
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